sábado, 6 de agosto de 2011

“Quanto tempo preciso para ficar bom?”

O exemplo de Takeo Nishikido e algumas reflexões sobre a dedicação




Vladimir Vasiliev compartilhou este vídeo no YouTube e, curiosamente, reencontrei outro com fortes semelhanças. É o tipo de coisa que não conseguimos explicar, mas pelo menos podemos observar: "isto tem a ver com aquilo; que estranho é chegar ao mesmo ponto por vias diferentes".

Assim como as pessoas acionam o interruptor e não duvidam da veracidade da luz elétrica - mesmo sem entender um pingo da natureza da eletricidade! -, eu vejo estes dois exemplos e, a partir das minhas experiências, não duvido de que sejam reais - mesmo sem saber explicar o que se passa.


Takeo Nishikido [1]


Takeo Nishikido, nascido em 1940, começou a aprender Daito-ryu Aikijujutsu aos 19 anos. Após 15 anos de prática, encontrou Kodo Horikawa, que lhe casou forte impressão. Nishikido lecionava em um dojo em Tokyo e, durante dois anos, viajou mensalmente para Kitami (uma cidade em Hokkaido, a ilha ao norte) para treinar com Horikawa. Foi então que este lhe convidou para treinar intensivamente - Nishikido se mudou com a família e treinou em Kitami durante 3 anos, todos os dias exceto aos domingos.

Seguem abaixo alguns trechos do site Budo Videos:
Kodo Horikawa established his own school of Daito Ryu in 1950 named the Kodokai in Kitami, Hokkaido where he taught until his passing in 1980. Unlike many martial arts instructors, Kodo Horikawa did not teach kata, or pre-arranged movements. Every class was jiyu waza (free techniques). (...)
'Horikawa never showed us how to do his techniques', says Nishikido, 'I had to steal his techniques'. [2]
Kodo Horikawa foi aluno de Sokaku Takeda. Entre vários outros estilos, foi com Takeda que Morihei Ueshiba treinou Daito-Ryu Aikijujutsu exaustivamente, entre 1915 e 1937 - um "pequeno" intervalo de 22 anos! [3]

Refletindo acerca de histórias como estas, vale a pena fazer algumas observações:

1) sobre a dedicação ao treino: é muito comum acharmos que 5 anos de treinamento, com a intensidade de algumas horas por semana, seja um tempo suficientemente desanimador.

2) sobre a falta de instruções claras, que gera um fechamento da arte. Ironicamente, isto pareceu favorecer o desenvolvimento de alunos destacados e diversificados - veja por exemplo as diferenças marcantes entre os alunos de Ueshiba, que relatam a sua falta de clareza nos treinos.

3) a metodologia de ensino é amoldada pela cultura, embora possa haver aquelas que são, em média, mais ou menos eficientes. Um ocidental aparentemente tem maior propensão a desistir se as instruções não são claras e se o progresso não é evidente. Em muitas culturas orientais, a transmissão de conhecimento é tradicionalmente hierárquica, sendo que boa parte do aprendizado se deve à observação calada. Por este motivo as antigas técnicas marciais têm uma aura de segredo, mas note que a concepção de "segredo" talvez esteja unicamente na cabeça de quem se acostumou com informações imediatistas e explícitas.

4) a genialidade dos artistas marciais definitivamente não cai do céu! Alguns matemáticos e físicos conseguem resultados notórios ainda na juventude, sendo que após os 30 anos o envelhecimento se torna uma corrida contra o tempo. Não é este o caso das artes marciais, em que o talento ou o gosto pela atividade é apenas um requisito para que a dedicação faça o seu trabalho perene. 


5) sobre a importância do autoquestionamento e da autoanálise. Logo cedo, avalie os objetivos centrais do professor e compare com os seus próprios. Nem sempre o aluno sabe aonde quer chegar, mas é de sua competência entender em que aspectos ocorre a evolução ao longo do tempo de treinamento. Este tipo de evolução justifica o esforço gasto? O tempo é valioso; sempre que optamos por uma atividade, estamos abrindo mão de fazer outra. Alguns procuram apenas o aperfeiçoamento na execução das formas; outros dão grande peso à filosofia e ao ambiente que permeiam o treinamento. Além disso, cada professor tem um conjunto de valores e um modo de ensinar específicos, portanto não coloque todos os professores de um mesmo estilo no mesmo saco.



Referências


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Bartitsu: a arte eclética de Barton-Wright (parte II)

A contribuição de Barton-Wright para a autodefesa e as artes marciais

Durante a década de 1880, a família de Barton-Wright voltou à Inglaterra e ele concluiu seus estudos na França e na Alemanha. Como engenheiro civil, trabalhou para companhias ferroviárias e de mineração em diversas localidades do mundo, como Espanha, Portugal, Estabelecimentos dos Estreitos (colônias britânicas no sudeste asiático, atuais Malásia e Cingapura) e Japão. [3]

Barton-Wright ajudou a introduzir o Jujutsu e o Judo na Inglaterra, tendo para isso que atrair dois lutadores experientes: Yukio Tani e Sadakazu Uyenishi, enviados do Japão. [7]

Antes mesmo de ir ao Japão, Barton sempre teve interesse nas aplicações de autodefesa ao aprender os estilos de luta. Percebeu que o jujutsu e o judo eram eficientes para situações de agarrões (grappling), de curta distância. Assim, ao mesclar diversos estilos, estava suprindo as deficiências de cada estilo particular, de sorte que a vítima de uma agressão real pudesse se defender bem independentemente da distância de ataque.

O uso de bengalas e guarda-chuvas como armas de autodefesa se deve ao aprendizado de Barton com o francês Pierre Vigny [5], também professor de savate. Em seus estudos, Barton também incluiu o uso do chapéu e do casaco [6] como formas de autodefesa - este último tendo grande utilidade na defesa contra facas.

Em Londres, 1899, Barton fundou seu espaço, denominado Bartitsu Academy of Arms and Physical Culture - apelidado de Bartitsu Club. Talvez tenha sido o primeiro exemplo de academia de artes marciais com cunho comercial. Mary Nugest, uma jornalista da época, assim descreveu o local:

“... a huge subterranean hall, all glittering, white-tiled walls, and electric light, with 'champions' prowling around it like tigers” [14]

A rua em que se localizava o Bartitsu Club

Era um clube eclético, em que lutadores de diferentes modalidades costumavam medir forças e disputar campeonatos de artes marciais mistas. Várias modalidades eram ensinadas: Pierre Vigny, vindo da Suíça, oferecia aulas de Savate e La Canne (walking-stick fighting); Yukio Tani e Sadakazu Uyenishi, enviados do Japão, ensinavam Jujutsu; Egerton Castle e o capitão Alfred Hutton ensinavam o uso da espada (two-handed sword). Entre os membros do clube estavam militares de alta patente, atletas, atores e aristocratas. Curiosamente, também frequentou o clube Sir Cosmo Duff Gordon, esgrimista olímpico e sobrevivente do Titanic. [9]

Em 1901, o Bartitsu incorporou exercícios de respiração sob a instrução de Mrs. Emil Behnke [11]. Neste mesmo clube, Bart destinava um salão para terapias alternativas, que se por um lado eram inovadoras, por outro eram bastante controversas (este assunto será retomado mais adiante).

Nas demonstrações de autodefesa, Barton surpreendia o público empregando as técnicas orientais que os ingleses desconheciam. Mesmo em desvantagem de peso e altura, ele conseguia se proteger muito bem contra múltiplos atacantes. Porém, quando desafiado por lutadores experientes, Barton escolhia um dos japoneses para ganhar a luta e demonstrar a superioridade do Bartitsu. [7] Em português claro, podemos dizer que Barton era um fanfarrão - afinal, se ele dependia de vitórias para atestar a validade de sua criação, também tinha muito medo de perder. O elemento surpresa, isto é, as técnicas de Jujutsu então desconhecidas, parece ter sido o responsável pela eficiência do Bartitsu contra os outros estilos. Não há evidências de que Barton tenha sido um exímio lutador de competição; há registro de derrota em 1906 para o wrestler Andrew Newton. [12]


Após o fechamento do Bartitsu Club, em 1902

Não é claro o motivo do fechamento do clube de Barton-Wright; talvez tenha havido vários. Percy Longhurst, wrestler e jornalista, sugeriu que as taxas de matrícula e mensalidade eram altas demais. Em dezembro de 1901, membros do Bartitsu Club participaram de um grande evento no St. James's Hall que acabou em muita confusão e repercussão, pois os árbitros foram supostamente manipulados. Além disso, Barton-Wright e Yukio Tani, um dos instrutores mais importantes, brigaram e romperam o relacionamento abruptamente. Barton assim escreveu para Gunji Koizumi, que introduziu o Judo na Inglaterra:

“… Tani was troublesome in keeping appointments. I proposed to make deductions from his wages. One day he was in a furious temper over it and threatened me with violence. In the conflict which followed, Bartitsu proved superior to his Ju-Jitsu. That was the end of our connection.” [13]

É possível que Barton-Wright tenha falhado ao não conseguir impor disciplina e respeito no Bartitsu Club, criando um ambiente excessivamente competitivo e desgastante. O irmão de Tani, que também foi instrutor de Jujutsu no clube por pouco tempo em 1899, retornou ao Japão pois considerava que as exibições públicas e os prêmios em dinheiro eram um modo impróprio de divulgar a arte.

Aliás, cabe aqui uma comparação entre o modo como os europeus e os japoneses encaram as lutas. Richard Gordon Smith, um inglês contemporâneo de Barton-Wright, viu uma demonstração de artes marciais enquanto esteve no Japão e relatou em seu diário:

Perhaps one of the most notable things about the whole entertainment was the extraordinary silence. Not a sound of applause came at any time except from an agent of the P and O [steamship line], who, with the exception of myself, was the only foreigner present. Also most creditable was the absence of jealousy, personal feeling, one might also say, of rivalry, had the fights not been so real. Etiquette runs from the back of the heel to the tip of the sword, as it were. All personal feeling must be completely suppressed - not even a smile.... Jujitsu is hardly the thing for Englishmen - we are much too interested in finding the winner. [15]

Após o fechamento do clube, Barton dedicou seu gênio inventivo e empreendedor no desenvolvimento de equipamentos para tratamento médico, mas não obteve êxito. Suas máquinas, inovadoras e controversas, eram uma tentiva de explorar a luz, o calor e a radiação da eletricidade para aliviar dores e curar doenças. Sofreu graves problemas financeiros, em virtude de um longo processo jurídico movido por um ex-empregado e de seus investimentos malogrados em equipamentos terapêuticos. [3]


O legado de Barton-Wright

O “Baritsu” [sic] (escrito erroneamente por razões desconhecidas) foi citado em 1901 pelo escritor Arthur Conan Doyle, como sendo a arte marcial que Sherlock Holmes usou para derrotar um inimigo em uma de suas histórias. Esta passagem atiçou a curiosidade de alguns fãs e, se não fosse por ela, o Bartitsu teria ficado completamente às escuras durante o século XX.


É graças ao esforço de documentação de Barton, que se preocupava em ilustrar as técnicas, e à existência de matérias jornalísticas, que sua arte pôde ser recentemente resgatada. Como o clube foi fechado abruptamente e Barton-Wright tinha uma mente aberta, sempre à procura de melhorias, alguns praticantes atuais não se importam em incorporar novos conhecimentos, modificando o Bartitsu tal como catalogado pelo seu criador [16].



Encerrando com Graham Noble:

Unlike the Japanese, Barton-Wright was not tied exclusively to the traditions of jujutsu. He was not a Japanese budoka but an Edwardian Englishman with a practical frame of mind. In the February 1899 edition of Pearson's Magazine he wrote an article on how to duplicate the feats of certain stage "strongmen" (and women). As Barton-Wright explained, these were not true feats of strength but more tricks of leverage and body mechanics, something that might today be demonstrated before a gullible public as feats of ki. As befitted an engineer, he had a good understanding of body mechanics, and he saw an embodiment of such principles in jujutsu. But in the overall search for combat effectiveness, jujutsu needed to be augmented by other methods, notably boxing, as the early ancestor of all the modern "eclectic" stylists who bring together different forms to produce a new martial art. He was an interesting and important character and he deserves his niche in martial arts history. [7]



Referências:

[1] Wikipedia. Victorian era. <http://en.wikipedia.org/wiki/Victorian_era>.
[2] Wikipedia. Social history of England. <http://en.wikipedia.org/wiki/Social_history_of_England>.
[3] Wikipedia. Edward William Barton-Wright. <http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_William_Barton-Wright>.
[4] Wikipedia. Bartitsu. <http://en.wikipedia.org/wiki/Bartitsu>.
[5] Wikipedia. Pierre Vigny. <http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Vigny>.
[6] E. W. Barton-Wright. How a Man may Defend Himself against every Form of Attack. Originally published in Pearson's Magazine, March 1899. <http://ejmas.com/jmanly/articles/2002/jmanlyart_Barton-Wrighta_1202.htm>.
[7] Graham Noble. An Introduction to E. W. Barton-Wright (1860-1951) and the Ecletic Art if Bartitsu. <http://ejmas.com/jmanly/articles/2001/jmanlyart_noble_0301.htm>. Journal of Manly Arts. Mar 2001.
[8] Tony Wolf. The Origins of Bartitsu. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-origins-of-bartitsu/>. 15 Jan 2007.
[9] James. The Bartitsu Club, 1899-1902. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-bartitsu-club-1899-1902/>. 22 Aug 2008.
[10] Tony Wolf. The Bartitsu Legacy. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-bartitsu-legacy/>. 15 Feb 2007.
[11] Behnke (March 1901). The Musical Herald and Tonic Sol-fa Reporter.
[12] Palmer, K. (1988). "Japanese ju-jutsu comes to Britain: A glimpse back to a bygone era."Fighting Arts International, 47, 28-35.
[13] Koizumi, G. (1950, July). "Facts and History." Judo: The Budokwai Quarterly Bulletin, 17-19.
[14] Nugent, M. (1901, December). "Barton-Wright and his Japanese wrestlers." Health and Strength, 3(6), 336-341
[15] Manthorpe, V. (Ed.). (1986). The Japan Diaries of Richard Gordon Smith. London: Viking/Rainbird.
[16] Catherine Marien (2009). Bartitsu (Canonical Bartitsu, neo-Bartitsu). Website Full Contact Martial Arts. <http://www.fullcontactmartialarts.org/bartitsu.html>.
[17] E. W. Barton-Wright. Self-defense with a walking-stick: the different methods of defending oneself with a walking-stick or umbrella when attacked under unequal conditions. Pearson’s Magazine, 11 (Jan 1901), 35-44. <http://ejmas.com/jnc/jncart_barton-wright_0200.htm>, < http://ejmas.com/jnc/jncart_barton-wright_0400.htm>.

(Todos os links acessos em 21 jul 2011)