O exemplo de Takeo Nishikido e algumas reflexões sobre a dedicação
Vladimir Vasiliev compartilhou este vídeo no YouTube e, curiosamente, reencontrei outro com fortes semelhanças. É o tipo de coisa que não conseguimos explicar, mas pelo menos podemos observar: "isto tem a ver com aquilo; que estranho é chegar ao mesmo ponto por vias diferentes".
Assim como as pessoas acionam o interruptor e não duvidam da veracidade da luz elétrica - mesmo sem entender um pingo da natureza da eletricidade! -, eu vejo estes dois exemplos e, a partir das minhas experiências, não duvido de que sejam reais - mesmo sem saber explicar o que se passa.
Takeo Nishikido [1]
Takeo Nishikido, nascido em 1940, começou a aprender Daito-ryu Aikijujutsu aos 19 anos. Após 15 anos de prática, encontrou Kodo Horikawa, que lhe casou forte impressão. Nishikido lecionava em um dojo em Tokyo e, durante dois anos, viajou mensalmente para Kitami (uma cidade em Hokkaido, a ilha ao norte) para treinar com Horikawa. Foi então que este lhe convidou para treinar intensivamente - Nishikido se mudou com a família e treinou em Kitami durante 3 anos, todos os dias exceto aos domingos.
Seguem abaixo alguns trechos do site Budo Videos:
Kodo Horikawa established his own school of Daito Ryu in 1950 named the Kodokai in Kitami, Hokkaido where he taught until his passing in 1980. Unlike many martial arts instructors, Kodo Horikawa did not teach kata, or pre-arranged movements. Every class was jiyu waza (free techniques). (...)
'Horikawa never showed us how to do his techniques', says Nishikido, 'I had to steal his techniques'. [2]
Kodo Horikawa foi aluno de Sokaku Takeda. Entre vários outros estilos, foi com Takeda que Morihei Ueshiba treinou Daito-Ryu Aikijujutsu exaustivamente, entre 1915 e 1937 - um "pequeno" intervalo de 22 anos! [3]
Refletindo acerca de histórias como estas, vale a pena fazer algumas observações:
1) sobre a dedicação ao treino: é muito comum acharmos que 5 anos de treinamento, com a intensidade de algumas horas por semana, seja um tempo suficientemente desanimador.
2) sobre a falta de instruções claras, que gera um fechamento da arte. Ironicamente, isto pareceu favorecer o desenvolvimento de alunos destacados e diversificados - veja por exemplo as diferenças marcantes entre os alunos de Ueshiba, que relatam a sua falta de clareza nos treinos.
3) a metodologia de ensino é amoldada pela cultura, embora possa haver aquelas que são, em média, mais ou menos eficientes. Um ocidental aparentemente tem maior propensão a desistir se as instruções não são claras e se o progresso não é evidente. Em muitas culturas orientais, a transmissão de conhecimento é tradicionalmente hierárquica, sendo que boa parte do aprendizado se deve à observação calada. Por este motivo as antigas técnicas marciais têm uma aura de segredo, mas note que a concepção de "segredo" talvez esteja unicamente na cabeça de quem se acostumou com informações imediatistas e explícitas.
4) a genialidade dos artistas marciais definitivamente não cai do céu! Alguns matemáticos e físicos conseguem resultados notórios ainda na juventude, sendo que após os 30 anos o envelhecimento se torna uma corrida contra o tempo. Não é este o caso das artes marciais, em que o talento ou o gosto pela atividade é apenas um requisito para que a dedicação faça o seu trabalho perene.
5) sobre a importância do autoquestionamento e da autoanálise. Logo cedo, avalie os objetivos centrais do professor e compare com os seus próprios. Nem sempre o aluno sabe aonde quer chegar, mas é de sua competência entender em que aspectos ocorre a evolução ao longo do tempo de treinamento. Este tipo de evolução justifica o esforço gasto?O tempo é valioso; sempre que optamos por uma atividade, estamos abrindo mão de fazer outra. Alguns procuram apenas o aperfeiçoamento na execução das formas; outros dão grande peso à filosofia e ao ambiente que permeiam o treinamento. Além disso, cada professor tem um conjunto de valores e um modo de ensinar específicos, portanto não coloque todos os professores de um mesmo estilo no mesmo saco.
A contribuição de Barton-Wright para a autodefesa e as artes marciais
Durante a década de 1880, a família de Barton-Wright voltou à Inglaterra e ele concluiu seus estudos na França e na Alemanha. Como engenheiro civil, trabalhou para companhias ferroviárias e de mineração em diversas localidades do mundo, como Espanha, Portugal, Estabelecimentos dos Estreitos (colônias britânicas no sudeste asiático, atuais Malásia e Cingapura) e Japão. [3]
Barton-Wright ajudou a introduzir o Jujutsu e o Judo na Inglaterra, tendo para isso que atrair dois lutadores experientes: Yukio Tani e Sadakazu Uyenishi, enviados do Japão. [7]
Antes mesmo de ir ao Japão, Barton sempre teve interesse nas aplicações de autodefesa ao aprender os estilos de luta. Percebeu que o jujutsu e o judo eram eficientes para situações de agarrões (grappling), de curta distância.Assim, ao mesclar diversos estilos, estava suprindo as deficiências de cada estilo particular, de sorte que a vítima de uma agressão real pudesse se defender bem independentemente da distância de ataque.
O uso de bengalas e guarda-chuvas como armas de autodefesa se deve ao aprendizado de Barton com o francês Pierre Vigny [5], também professor de savate. Em seus estudos, Barton também incluiu o uso do chapéu e do casaco [6] como formas de autodefesa - este último tendo grande utilidade na defesa contra facas.
Em Londres, 1899, Barton fundou seu espaço, denominado Bartitsu Academy of Arms and Physical Culture - apelidado de BartitsuClub. Talvez tenha sido o primeiro exemplo de academia de artes marciais com cunho comercial. Mary Nugest, uma jornalista da época, assim descreveu o local:
“... a huge subterranean hall, all glittering, white-tiled walls, and electric light, with 'champions' prowling around it like tigers” [14]
A rua em que se localizava o Bartitsu Club
Era um clube eclético, em que lutadores de diferentes modalidades costumavam medir forças e disputar campeonatos de artes marciais mistas. Várias modalidades eram ensinadas: Pierre Vigny, vindo da Suíça, oferecia aulas de Savate e La Canne (walking-stick fighting); Yukio Tani e Sadakazu Uyenishi, enviados do Japão, ensinavam Jujutsu; Egerton Castle e o capitão Alfred Hutton ensinavam o uso da espada (two-handed sword). Entre os membros do clube estavam militares de alta patente, atletas, atores e aristocratas. Curiosamente, também frequentou o clube Sir Cosmo Duff Gordon, esgrimista olímpico e sobrevivente do Titanic. [9]
Em 1901, o Bartitsu incorporou exercícios de respiração sob a instrução de Mrs. Emil Behnke [11]. Neste mesmo clube, Bart destinava um salão para terapias alternativas, que se por um lado eram inovadoras, por outro eram bastante controversas (este assunto será retomado mais adiante).
Nas demonstrações de autodefesa, Barton surpreendia o público empregando as técnicas orientais que os ingleses desconheciam. Mesmo em desvantagem de peso e altura, ele conseguia se proteger muito bem contra múltiplos atacantes. Porém, quando desafiado por lutadores experientes, Barton escolhia um dos japoneses para ganhar a luta e demonstrar a superioridade do Bartitsu. [7] Em português claro, podemos dizer que Barton era um fanfarrão - afinal, se ele dependia de vitórias para atestar a validade de sua criação, também tinha muito medo de perder. O elemento surpresa, isto é, as técnicas de Jujutsu então desconhecidas, parece ter sido o responsável pela eficiência do Bartitsu contra os outros estilos. Não há evidências de que Barton tenha sido um exímio lutador de competição; há registro de derrota em 1906 para o wrestler Andrew Newton. [12]
Após o fechamento do Bartitsu Club, em 1902
Não é claro o motivo do fechamento do clube de Barton-Wright; talvez tenha havido vários. Percy Longhurst, wrestler e jornalista, sugeriu que as taxas de matrícula e mensalidade eram altas demais. Em dezembro de 1901, membros do Bartitsu Club participaram de um grande evento no St. James's Hall que acabou em muita confusão e repercussão, pois os árbitros foram supostamente manipulados. Além disso, Barton-Wright e Yukio Tani, um dos instrutores mais importantes, brigaram e romperam o relacionamento abruptamente. Barton assim escreveu para Gunji Koizumi, que introduziu o Judo na Inglaterra:
“… Tani was troublesome in keeping appointments. I proposed to make deductions from his wages. One day he was in a furious temper over it and threatened me with violence. In the conflict which followed, Bartitsu proved superior to his Ju-Jitsu. That was the end of our connection.” [13]
É possível que Barton-Wright tenha falhado ao não conseguir impor disciplina e respeito no Bartitsu Club, criando um ambiente excessivamente competitivo e desgastante. O irmão de Tani, que também foi instrutor de Jujutsu no clube por pouco tempo em 1899, retornou ao Japão pois considerava que as exibições públicas e os prêmios em dinheiro eram um modo impróprio de divulgar a arte.
Aliás, cabe aqui uma comparação entre o modo como os europeus e os japoneses encaram as lutas. Richard Gordon Smith, um inglês contemporâneo de Barton-Wright, viu uma demonstração de artes marciais enquanto esteve no Japão e relatou em seu diário:
Perhaps one of the most notable things about the whole entertainment was the extraordinary silence. Not a sound of applause came at any time except from an agent of the P and O [steamship line], who, with the exception of myself, was the only foreigner present. Also most creditable was the absence of jealousy, personal feeling, one might also say, of rivalry, had the fights not been so real. Etiquette runs from the back of the heel to the tip of the sword, as it were. All personal feeling must be completely suppressed - not even a smile.... Jujitsu is hardly the thing for Englishmen - we are much too interested in finding the winner. [15]
Após o fechamento do clube, Barton dedicou seu gênio inventivo e empreendedor no desenvolvimento de equipamentos para tratamento médico, mas não obteve êxito. Suas máquinas, inovadoras e controversas, eram uma tentiva de explorar a luz, o calor e a radiação da eletricidade para aliviar dores e curar doenças. Sofreu graves problemas financeiros, em virtude de um longo processo jurídico movido por um ex-empregado e de seus investimentos malogrados em equipamentos terapêuticos. [3]
O legado de Barton-Wright
O “Baritsu” [sic] (escrito erroneamente por razões desconhecidas) foi citado em 1901 pelo escritor Arthur Conan Doyle, como sendo a arte marcial que Sherlock Holmes usou para derrotar um inimigo em uma de suas histórias. Esta passagem atiçou a curiosidade de alguns fãs e, se não fosse por ela, o Bartitsu teria ficado completamente às escuras durante o século XX.
É graças ao esforço de documentação de Barton, que se preocupava em ilustrar as técnicas, e à existência de matérias jornalísticas, que sua arte pôde ser recentemente resgatada. Como o clube foi fechado abruptamente e Barton-Wright tinha uma mente aberta, sempre à procura de melhorias, alguns praticantes atuais não se importam em incorporar novos conhecimentos, modificando o Bartitsu tal como catalogado pelo seu criador [16].
Encerrando com Graham Noble:
Unlike the Japanese, Barton-Wright was not tied exclusively to the traditions of jujutsu. He was not a Japanese budoka but an Edwardian Englishman with a practical frame of mind. In the February 1899 edition of Pearson's Magazine he wrote an article on how to duplicate the feats of certain stage "strongmen" (and women). As Barton-Wright explained, these were not true feats of strength but more tricks of leverage and body mechanics, something that might today be demonstrated before a gullible public as feats of ki. As befitted an engineer, he had a good understanding of body mechanics, and he saw an embodiment of such principles in jujutsu. But in the overall search for combat effectiveness, jujutsu needed to be augmented by other methods, notably boxing, as the early ancestor of all the modern "eclectic" stylists who bring together different forms to produce a new martial art. He was an interesting and important character and he deserves his niche in martial arts history. [7]
Uma resposta à violência urbana na Inglaterra do século XIX
Edward William Barton-Wright (1860-1951) nasceu em Bangalore, Índia; sua mãe era escocesa e seu pai, inglês, era engenheiro de ferrovias. Barton-Wright era um entusiasta das artes marciais; aprendeu boxe, savate, wrestling, esgrima e o manejo do stilleto, sempre tendo em vista a funcionalidade das técnicas.
A trabalho, esteve no Japão entre ca. 1893 e 1897, aproveitando a oportunidade para aprender judo e dois estilos de jujutsu. Trouxe esta aprendizagem à Inglaterra onde, fundindo-a com seus conhecimentos prévios, criou o Bartitsu (junção de seu nome com jitsu, uma mistura eclética de artes marcias destinada à defesa pessoal. Propagou seu estilo como “a arte cavalheiresca da autodefesa” (the gentlemanly art of self defense), uma forma de proteção contra as frequentes agressões de gângsters que aterrorizavam os habitantes das grandes cidades inglesas [8]. Como bom engenheiro, Barton-Wright parece não ter criado nada de estritamente novo. Seu mérito foi coletar e selecionar múltiplos conhecimentos marciais para dar uma solução que, além de eficiente contra a violência urbana, estivesse adaptada aos cidadãos ingleses das classes média e alta.
Em um artigo para uma revista, Barton-Wright escreveu:
(...) I have introduced a new style of self-defence, which can be very terrible in the hands of a quick and confident exponent. One of its greatest advantages is that the exponent need not necessarily be a strong man, or in training, or even a specially active man in order to paralyse a very formidable opponent, and it is equally applicable to a man who attacks you with a knife, or a stick, or against a boxer; in fact, it can be considered a class of self-defence designed to meet every possible kind of attack, whether armed or otherwise.
(...) The explanations which follow, with the assistance of the photographs reproduced, will show what a weak man with a knowledge of leverage and balance can do against a stronger man than himself who has not the same knowledge. (...)
You may say that it will be impossible to get the assailant into the positions shown, but it must be borne in mind that you are not seeking a quarrel or attacking, but simply defending yourself.
It is quite unnecessary to try and get your opponent into any particular position, as this system embraces every possible eventuality and your defence and counter-attack must be based entirely upon the actions of your opponent. The illustrations only show how to defend yourself against some of the more common forms of attack. [6]
Apesar dos esforços de catalogação do seu método, observa-se nas declarações acima que Barton reconhecia a necessidade de adaptação em situações reais.
Documentação das técnicas de autodefesa
(colagem com fotos de [6] e [17])
Localizada em Londres, a academia fundada por Barton-Wright também foi inovadora ao permitir que mulheres aprendessem a sua arte de autodefesa, para o que foi necessário adaptar algumas técnicas. Àquela época, as mulheres inglesas das cidades começaram a reivindicar condições de igualdade entre os sexos; crescia a representação feminina nos esportes e iniciava-se a campanha das sufraggettes pelo direito ao voto. [10]
Colagem com fotos de [7], [8] e [10]
A sociedade inglesa na Era Vitoriana: o contexto do surgimento do Bartitsu
O reinado da Rainha Victoria, que durou de 1837 até a sua morte em 1901, marca a denominada Era Vitoriana do Reino Unido. Sob os efeitos da Revolução Industrial, a população da Inglaterra praticamente dobrou em 50 anos, saltando de 16,8 milhões em 1851 para 30,5 milhões em 1901. Apesar da prosperidade econômica, a industrialização gerou intenso deslocamento da população rural para as cidades, que passaram a crescer desordenamente com problemas de violência e saneamento básico. [1]
Os mais pobres se aglomeravam nos subúrbios em casas velhas e desconfortáveis. As classes média e alta começaram a conviver com elementos típicos de uma cidade: anúncios de publicidade (em grande parte destinados à venda de sabonetes), modismos e notícias sensacionalistas, que alardeavam o crescimento da violência urbana. Entre os modismos da época, estavam o interesse pela cultura oriental e a disseminação da cultura física (physical culture). Para as pessoas mais ricas, a Revolução Industrial trouxe o indesejado problema do sedentarismo, e foi neste contexto que as academias de ginástica ganharam popularidade. O ditado latim “mente sã em corpo são” virou o mote de muitas escolas para meninos. Era bem-visto que a educação moral e religiosa fosse vinculada à prática de exercícios físicos [8].
Ilustração de uma academia de ginástica da época [8]
O Kyusho-jitsu é uma arte marcial que explora os pontos de pressão do corpo humano. São pontos de fragilidade que, se corretamente acessados, provocam desestrutura do corpo e podem causar desmaio; o mesmo conhecimento dos pontos de acupuntura também pode ser empregado para aliviar dores e curar doenças. Encontram-se vídeos de pessoas que tentam aplicar estas técnicas e zombam de não obter efeito - possivelmente estão caluniando o estilo sem antes terem treinado com um instrutor.
"Kyusho is a study of the human condition and it’s frailties. Based on the ancientacupuncture and pressure point massage methods, we can easily rid the body of common ailments.Within seconds we begin to relax and ease the pain associated with headaches, backaches, muscle and internal cramps, hiccups, asthma, nausea, sinus congestion and so many more. Relieve stress and rid yourself of insomnia and many more stress related difficulties, all without expensive pills or drugs that can have serious side effects." [1]
"Kyusho works by showing you where a nerve is easily accessible on the human body, everyone has them and they are your access to the nervous system of the assailant. Unlike other methods, [based on] attacking the outer structure of the body like muscles and bones (where size is the ultimate determinant of conflict), the nerves send messages to the brain to dysfunction the muscles and physical functions. They can even have an affect on the levels of consciousness of the attacker, so even a Child, Small Woman or Smaller Male can render the assailant incapable of motion, further attack or even knock them unconscious.
An attacker may be larger, stronger or have made themselves that way... but they can not strengthen their nerves!" [2]
Karsten Dam, que conduzirá o seminário, tem experiência com Kyusho, Systema, Hapkido, Karate e também com Reiki. [3]
Bares são ambientes típicos de agressões verbais ou físicas, e por isso é importante ambientar o praticante de arte marcial (ou defesa pessoal) neste tipo de local. A existência de cadeiras e a concentração de pessoas formam um cenário que não se aplica somente a bares, senão a vários tipos de locais públicos.
A associação de arte marcial ao ambiente de um bar possivelmente gerará preconceito, pois este é relacionado a brigas e discussões - situações que uma pessoa atenta pode evitar, simplesmente evadindo-se do local após perceber o início de uma confusão. No entanto, se há intuito de treinar para as piores situações da realidade, este tipo de treino faz todo sentido.
Instrutor de Systema: Guilherme Stamato
A prática de artes marciais costuma ser realizada em locais privados, que se por um lado facilitam bastante o treinamento, por outro distanciam o praticante da realidade. No caso de alguns estilos, como Ninjutsu [1] e Aikido [2], encontram-se vídeos de treinamento em florestas e campos: era o tipo de ambiente no qual deveriam lutar os guerreiros japoneses da idade média. Para adequar a defesa pessoal à nossa realidade, nada mais sensato do que realizar treinos em ambientes urbanos como uma rua, usando carros, armas de fogo, facas ou bastões. [3]
Aliás, cabe aqui uma pequena curiosidade sobre o gesto de reverência que se faz nos dojos:
O termo [dojo] foi emprestado do Zen Budismo, significando lugar de iluminação, onde os monges praticavam a meditação, a concentração, a respiração, os exercícios físicos e outros mais. Decompondo-a nos kanjis, ver-se-á que «dō» quer dizer «caminho», «estrada» ou «trilha» (sentido espiritual), e «jō», «lugar», «espaço físico», «sítio». [4]
"A Mente Liberta" (do inglês "The Unfettered Mind") é um livro que reúne três textos escritos pelo monje zen Takuan Soho (1573-1645).
Aqueles que se interessam por aspectos não-físicos das artes marciais encontrarão neste livro um prato cheio. Takuan aborda os lados espiritual, mental e psicológico dos conflitos armados. Para os praticantes de Systema, é muito interessante ver estes objetos de estudo com uma roupagem zen-budista. O autor deixa também um retrato da moralidade da época, no que tange ao relacionamento entre as castas dos samurais e dos daimyos (senhores de terra), explorando o contexto para dar conselhos e expor ensinamentos.
A abordagem de Takuan Soho é holística e por isso proporciona ao leitor um breve mergulho na cultura japonesa da idade média, quando os conflitos territoriais eram frequentes e os samurais exerciam um papel ativo na sociedade. Segue abaixo um trecho da introdução da tradução para o português:
"Diz-se que Takuan buscou infundir o espírito do Zen em todos os aspectos da vida que lhe chamaram a atenção, como a caligrafia, a poesia, a jardinagem e as artes em geral. A arte da espada não escapou ao seu olhar. Vivendo os últimos dias da violenta guerra feudal que culminou na Batalha de Sekigahara, em 1.600, Takuan estava familiarizado, não somente com a paz e a elevação que acompanhavam o artista e o mestre do chá, mas também com os conflitos – a vitória e a derrota – que marcam a vida dos guerreiros e generais. (...)
No conjunto, os três textos são dirigidos à casta dos samurais, e os três buscam unir o espírito do Zen com o espírito da espada. Os conselhos dados combinam os aspectos práticos, técnicos e filosóficos do conflito. (...)
Os três textos fazem com que o indivíduo se volte para o conhecimento de si mesmo, e, logo, à arte de viver. A esgrima como mera expressão de uma técnica e o Zen meditativo já existiam havia tempo no Japão; o Zen se estabelecera firmemente no final do século XII. Com Takuan as duas coisas chegaram a uma verdadeira união, e seus escritos e opiniões sobre a espada tiveram uma influência extraordinária sobre os rumos que a arte japonesa da esgrima tomou daquela época até hoje. Essa arte ainda é praticada com fervor, e reflete uma parcela significativa da visão de mundo japonesa. Firmando a união do Zen e da espada, a obra de Takuan influenciou os escritos dos grandes mestres daquela época e deu origem a um grande número de textos que continuam a ser lidos e aplicados, como o Heiho Kadensho de Yagyu Munenori e o Gorin no Sho [O Livro dos 5 Anéis] de Miyamoto Musashi. Esses homens tinham estilos diferentes, mas suas conclusões reúnem intuições e entendimentos de nível elevadíssimo, quer sejam expressos como a "liberdade e espontaneidade" de Musashi, a "mente comum que não conhece regras" de Munenori ou a "mente liberta" de Takuan.
Para Takuan, a culminação do Caminho não eram a morte e a destruição, mas a Iluminação e a salvação. O conflito, visto segundo uma mente "reta", não somente dá vida, como a dá em abundância."
Referências:
Takuan Soho. The Unfettered Mind. Writings of the Zen Master to the Sword Master. Translated by William Scott Wilson.
Takuan Soho. A Mente Liberta. Escritos de um Mestre Zen a um Mestre da Espada.
Os fundamentos que dão corpo ao Systema e que se extrapolam para a vida do praticante
Respiração, relaxamento, movimentação e postura são os quatro fundamentos do Systema: eles se complementam e devem ser simultâneos. Com estas quatro palavras, algumas coisas ficam subentendidas e são verdadeiras:
- não há alusão ao que culturalmente esperamos do combate: coragem, força muscular, persistência etc;
- os fundamentos remetem à expressão natural do corpo humano; e
- as orientações são pouco restritivas e podem valer para situações do dia a dia.
Apesar de aparentemente irrelevantes, estes quatro princípios explicam a eficiência do Systema pelos dois lados: aumento de resultados e diminuição dos esforços. Esta abordagem guarda fortes semelhanças com a filosofia taoísta exposta na obra Tao Te Ching de Lao Tsé. Tradicionalmente aprendemos o oposto: que para conquistar mais resultados é obrigatório se esforçar mais, e que o esforço por si só é meritoso - mesmo quando não acompanhado de resultados.
A vontade de resistir e impor uma derrota sobre o outro está atrelada a uma carga emocional de apego à vitória, e resulta que o adversário encontra um "espelho": alguém com quem consegue brigar e medir forças. Esta problemática é bastante citada pelo budismo. No Systema, boa parte dos movimentos se deve ao "deixar acontecer", aproveitando as próprias situações geradas pelo agressor e sabotando a sua vontade de brigar.
(Clique na imagem para ampliá-la)
A atenção à respiração é um pré-requisito para superarmos o medo e o pânico. Sem a respiração, não conseguimos raciocinar nem relaxar, e o problema toma proporções maiores enquanto nos debatemos em desespero. Esta temática é muito explorada pelas escolas de yoga e, por incrível que pareça, tem relevantes aplicações marciais. Note também que a respiração e o relaxamento, para se tornarem constantes, estão atrelados a um condicionamento psicológico. Este estado mental é propício à liberdade, ao improviso e à criatividade, necessários para responder com desembaraço e rapidez às agressões reais, que sempre são distintas e não seguem roteiros.
O iniciante que começa a incorporar estes quatro fundamentos logo percebe que eles são surpreendentemente funcionais, de sorte que é difícil evitar que eles se extrapolem para a vida cotidiana do trabalho e da família. Nos treinos, o iniciante questiona a validez da força muscular e da rigidez para lidar com a violência, e acaba percebendo que o relaxamento, em contrapartida, é mais efetivo. Na vida, acabamos questionando diversos aspectos, como a efetividade das decisões unilaterais e a busca aflita de objetivos rígidos. Nos treinos, estamos sempre a observar e a aceitar situações novas, e é importante que esta flexibilidade passe a ser aplicada também aos problemas cotidianos. Esta atitude de relaxamento tem tudo a ver com expressões do tipo "dar uma volta para respirar um ar fresco", ou "fulano tem cabeça fresca": é exatamente este o espírito que buscamos desenvolver, sem abrir mão da responsabilidade e da segurança.
Nos treinos, as ações são estudadas e jamais executadas a esmo. Esta atitude crítica incita o praticante a analisar a sua conduta de vida e a questionar os seus porquês e os seus efeitos sobre terceiros. Não há como ter absoluta certeza de algo, mas sempre podemos aumentar a compreensão. Por consequência, a tendência é reavaliar as maneiras como atingimos nossos objetivos, bem como a validez destes objetivos, seja no aspecto pessoal, social, profissional ou afetivo.