quarta-feira, 27 de julho de 2011

Bartitsu: a arte eclética de Barton-Wright (parte I)

Uma resposta à violência urbana na Inglaterra do século XIX




Edward William Barton-Wright (1860-1951) nasceu em Bangalore, Índia; sua mãe era escocesa e seu pai, inglês, era engenheiro de ferrovias. Barton-Wright era um entusiasta das artes marciais; aprendeu boxe, savate, wrestling, esgrima e o manejo do stilleto, sempre tendo em vista a funcionalidade das técnicas.

A trabalho, esteve no Japão entre ca. 1893 e 1897, aproveitando a oportunidade para aprender judo e dois estilos de jujutsu. Trouxe esta aprendizagem à Inglaterra onde, fundindo-a com seus conhecimentos prévios, criou o Bartitsu (junção de seu nome com jitsu, uma mistura eclética de artes marcias destinada à defesa pessoal. Propagou seu estilo como “a arte cavalheiresca da autodefesa” (the gentlemanly art of self defense), uma forma de proteção contra as frequentes agressões de gângsters que aterrorizavam os habitantes das grandes cidades inglesas [8]. Como bom engenheiro, Barton-Wright parece não ter criado nada de estritamente novo. Seu mérito foi coletar e selecionar múltiplos conhecimentos marciais para dar uma solução que, além de eficiente contra a violência urbana, estivesse adaptada aos cidadãos ingleses das classes média e alta.

Em um artigo para uma revista, Barton-Wright escreveu:

(...) I have introduced a new style of self-defence, which can be very terrible in the hands of a quick and confident exponent. One of its greatest advantages is that the exponent need not necessarily be a strong man, or in training, or even a specially active man in order to paralyse a very formidable opponent, and it is equally applicable to a man who attacks you with a knife, or a stick, or against a boxer; in fact, it can be considered a class of self-defence designed to meet every possible kind of attack, whether armed or otherwise.
(...) The explanations which follow, with the assistance of the photographs reproduced, will show what a weak man with a knowledge of leverage and balance can do against a stronger man than himself who has not the same knowledge. (...)
You may say that it will be impossible to get the assailant into the positions shown, but it must be borne in mind that you are not seeking a quarrel or attacking, but simply defending yourself.
It is quite unnecessary to try and get your opponent into any particular position, as this system embraces every possible eventuality and your defence and counter-attack must be based entirely upon the actions of your opponent. The illustrations only show how to defend yourself against some of the more common forms of attack. [6]

Apesar dos esforços de catalogação do seu método, observa-se nas declarações acima que Barton reconhecia a necessidade de adaptação em situações reais.

Documentação das técnicas de autodefesa 
(colagem com fotos de [6] e [17])


Localizada em Londres, a academia fundada por Barton-Wright também foi inovadora ao permitir que mulheres aprendessem a sua arte de autodefesa, para o que foi necessário adaptar algumas técnicas. Àquela época, as mulheres inglesas das cidades começaram a reivindicar condições de igualdade entre os sexos; crescia a representação feminina nos esportes e iniciava-se a campanha das sufraggettes pelo direito ao voto. [10]

Colagem com fotos de [7], [8] e [10]


A sociedade inglesa na Era Vitoriana: o contexto do surgimento do Bartitsu

O reinado da Rainha Victoria, que durou de 1837 até a sua morte em 1901, marca a denominada Era Vitoriana do Reino Unido. Sob os efeitos da Revolução Industrial, a população da Inglaterra praticamente dobrou em 50 anos, saltando de 16,8 milhões em 1851 para 30,5 milhões em 1901. Apesar da prosperidade econômica, a industrialização gerou intenso deslocamento da população rural para as cidades, que passaram a crescer desordenamente com problemas de violência e saneamento básico. [1]

Os mais pobres se aglomeravam nos subúrbios em casas velhas e desconfortáveis. As classes média e alta começaram a conviver com elementos típicos de uma cidade: anúncios de publicidade (em grande parte destinados à venda de sabonetes), modismos e notícias sensacionalistas, que alardeavam o crescimento da violência urbana. Entre os modismos da época, estavam o interesse pela cultura oriental e a disseminação da cultura física (physical culture). Para as pessoas mais ricas, a Revolução Industrial trouxe o indesejado problema do sedentarismo, e foi neste contexto que as academias de ginástica ganharam popularidade. O ditado latim “mente sã em corpo são” virou o mote de muitas escolas para meninos. Era bem-visto que a educação moral e religiosa fosse vinculada à prática de exercícios físicos [8]. 

Ilustração de uma academia de ginástica da época [8]


Referências:

[1] Wikipedia. Victorian era. <http://en.wikipedia.org/wiki/Victorian_era>.
[2] Wikipedia. Social history of England. <http://en.wikipedia.org/wiki/Social_history_of_England>.
[3] Wikipedia. Edward William Barton-Wright. <http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_William_Barton-Wright>.
[4] Wikipedia. Bartitsu. <http://en.wikipedia.org/wiki/Bartitsu>.
[5] Wikipedia. Pierre Vigny. <http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Vigny>.
[6] E. W. Barton-Wright. How a Man may Defend Himself against every Form of Attack. Originally published in Pearson's Magazine, March 1899. <http://ejmas.com/jmanly/articles/2002/jmanlyart_Barton-Wrighta_1202.htm>.
[7] Graham Noble. An Introduction to E. W. Barton-Wright (1860-1951) and the Ecletic Art if Bartitsu. <http://ejmas.com/jmanly/articles/2001/jmanlyart_noble_0301.htm>. Journal of Manly Arts. Mar 2001.
[8] Tony Wolf. The Origins of Bartitsu. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-origins-of-bartitsu/>. 15 Jan 2007.
[9] James. The Bartitsu Club, 1899-1902. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-bartitsu-club-1899-1902/>. 22 Aug 2008.
[10] Tony Wolf. The Bartitsu Legacy. <http://www.bartitsu.org/index.php/the-bartitsu-legacy/>. 15 Feb 2007.
[17] E. W. Barton-Wright. Self-defense with a walking-stick: the different methods of defending oneself with a walking-stick or umbrella when attacked under unequal conditions. Pearson’s Magazine, 11 (Jan 1901), 35-44. <http://ejmas.com/jnc/jncart_barton-wright_0200.htm>, < http://ejmas.com/jnc/jncart_barton-wright_0400.htm>.

(Todos os links acessos em 21 jul 2011)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Seminário Internacional de Defesa Pessoal - Kyusho e Systema (17 e 18 de setembro de 2011)

LocalAcademia Portal Saúde (R. Luis Góis, 877 - Mirandópolis - São Paulo, SP - mapa)

Descrição: o seminário será conduzido pelo mestre dinamarquês Karsten Dam, instrutor de Kyusho e Systema.

Dia 17: Kyusho Jitsu: utilização dos pontos de pressão nas artes marciais.
Dia 18: Systema + Kyusho Jitsu: método russo de combate com aplicação dos pontos de pressão

Investimento: 1 dia por cem reais ou 2 dias por 170 reais

Contato: Guilherme Stamato
guistamato@ig.com.br
(11) 8645-4556



O Kyusho-jitsu é uma arte marcial que explora os pontos de pressão do corpo humano. São pontos de fragilidade que, se corretamente acessados, provocam desestrutura do corpo e podem causar desmaio; o mesmo conhecimento dos pontos de acupuntura também pode ser empregado para aliviar dores e curar doenças. Encontram-se vídeos de pessoas que tentam aplicar estas técnicas e zombam de não obter efeito - possivelmente estão caluniando o estilo sem antes terem treinado com um instrutor.





Transcrevo aqui dois trechos do site "Kyusho - the Vital Point":
"Kyusho is a study of the human condition and it’s frailties. Based on the ancient acupuncture and pressure point massage methods, we can easily rid the body of common ailments.Within seconds we begin to relax and ease the pain associated with headaches, backaches, muscle and internal cramps, hiccups, asthma, nausea, sinus  congestion and so many more. Relieve stress and rid yourself of insomnia and many more stress related difficulties, all without expensive pills or drugs that  can have serious side effects." [1]
"Kyusho works by showing you where a nerve is easily accessible on the human body, everyone has them and they are your access to the nervous system of the assailant.  Unlike other methods, [based on] attacking the outer structure of the body like muscles and bones (where size is the ultimate determinant of conflict), the nerves send messages to the brain to dysfunction the muscles and physical functions.  They can even have an affect on the levels of consciousness of the attacker, so even a Child, Small Woman or Smaller Male can render the assailant incapable of motion, further attack or even knock them unconscious. 
An attacker may be larger, stronger or have made themselves that way... but they can not strengthen their nerves!" [2]
Karsten Dam, que conduzirá o seminário, tem experiência com Kyusho, Systema, Hapkido, Karate e também com Reiki. [3]


Referências:

[1] Kyusho - Health. <http://www.kyusho.com/K4.htm>.
[2] Kyusho - Protection. <http://www.kyusho.com/K2.htm>.
[3] Kyusho Denmark - Instructors and Friends. <http://www.kyusho.dk/inst/>.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Arte marcial/defesa pessoal no bar

Bares são ambientes típicos de agressões verbais ou físicas, e por isso é importante ambientar o praticante de arte marcial (ou defesa pessoal) neste tipo de local. A existência de cadeiras e a concentração de pessoas formam um cenário que não se aplica somente a bares, senão a vários tipos de locais públicos.

A associação de arte marcial ao ambiente de um bar possivelmente gerará preconceito, pois este é relacionado a brigas e discussões - situações que uma pessoa atenta pode evitar, simplesmente evadindo-se do local após perceber o início de uma confusão. No entanto, se há intuito de treinar para as piores situações da realidade, este tipo de treino faz todo sentido.


Instrutor de Systema: Guilherme Stamato


A prática de artes marciais costuma ser realizada em locais privados, que se por um lado facilitam bastante o treinamento, por outro distanciam o praticante da realidade. No caso de alguns estilos, como Ninjutsu [1] e Aikido [2], encontram-se vídeos de treinamento em florestas e campos: era o tipo de ambiente no qual deveriam lutar os guerreiros japoneses da idade média. Para adequar a defesa pessoal à nossa realidade, nada mais sensato do que realizar treinos em ambientes urbanos como uma rua, usando carros, armas de fogo, facas ou bastões. [3]

Aliás, cabe aqui uma pequena curiosidade sobre o gesto de reverência que se faz nos dojos:

O termo [dojo] foi emprestado do Zen Budismo, significando lugar de iluminação, onde os monges praticavam a meditação, a concentração, a respiração, os exercícios físicos e outros mais. Decompondo-a nos kanjis, ver-se-á que «dō» quer dizer «caminho», «estrada» ou «trilha» (sentido espiritual), e «jō», «lugar», «espaço físico», «sítio». [4]

Referências:
  1. Masaaki Hatsumi. Old Bujinkan Waza. Acesso em 19 jul 2011.
  2. Morihei Ueshiba - The Founder of AikidoAcesso em 19 jul 2011.
  3. Vladimir Vasiliev. Systema - Russian Martial Art - Car Fight. Acesso em 19 jul 2011.
  4. Wikipedia. Dojo. Acesso em 19 jul 2011.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

“A Mente Liberta” - Fundindo o Zen com as Artes Marciais

"A Mente Liberta" (do inglês "The Unfettered Mind") é um livro que reúne três textos escritos pelo monje zen Takuan Soho (1573-1645).

Aqueles que se interessam por aspectos não-físicos das artes marciais encontrarão neste livro um prato cheio. Takuan aborda os lados espiritual, mental e psicológico dos conflitos armados. Para os praticantes de Systema, é muito interessante ver estes objetos de estudo com uma roupagem zen-budista. O autor deixa também um retrato da moralidade da época, no que tange ao relacionamento entre as castas dos samurais e dos daimyos (senhores de terra), explorando o contexto para dar conselhos e expor ensinamentos.

A abordagem de Takuan Soho é holística e por isso proporciona ao leitor um breve mergulho na cultura japonesa da idade média, quando os conflitos territoriais eram frequentes e os samurais exerciam um papel ativo na sociedade. Segue abaixo um trecho da introdução da tradução para o português:

"Diz-se que Takuan buscou infundir o espírito do Zen em todos os aspectos da vida que lhe chamaram a atenção, como a caligrafia, a poesia, a jardinagem e as artes em geral. A arte da espada não escapou ao seu olhar. Vivendo os últimos dias da violenta guerra feudal que culminou na Batalha de Sekigahara, em 1.600, Takuan estava familiarizado, não somente com a paz e a elevação que acompanhavam o artista e o mestre do chá, mas também com os conflitos – a vitória e a derrota – que marcam a vida dos guerreiros e generais. (...) 
No conjunto, os três textos são dirigidos à casta dos samurais, e os três buscam unir o espírito do Zen com o espírito da espada. Os conselhos dados combinam os aspectos práticos, técnicos e filosóficos do conflito. (...)
Os três textos fazem com que o indivíduo se volte para o conhecimento de si mesmo, e, logo, à arte de viver. A esgrima como mera expressão de uma técnica e o Zen meditativo já existiam havia tempo no Japão; o Zen se estabelecera firmemente no final do século XII. Com Takuan as duas coisas chegaram a uma verdadeira união, e seus escritos e opiniões sobre a espada tiveram uma influência extraordinária sobre os rumos que a arte japonesa da esgrima tomou daquela época até hoje. Essa arte ainda é praticada com fervor, e reflete uma parcela significativa da visão de mundo japonesa. Firmando a união do Zen e da espada, a obra de Takuan influenciou os escritos dos grandes mestres daquela época e deu origem a um grande número de textos que continuam a ser lidos e aplicados, como o Heiho Kadensho de Yagyu Munenori e o Gorin no Sho [O Livro dos 5 Anéis] de Miyamoto Musashi. Esses homens tinham estilos diferentes, mas suas conclusões reúnem intuições e entendimentos de nível elevadíssimo, quer sejam expressos como a "liberdade e espontaneidade" de Musashi, a "mente comum que não conhece regras" de Munenori ou a "mente liberta" de Takuan.  
Para Takuan, a culminação do Caminho não eram a morte e a destruição, mas a Iluminação e a salvação. O conflito, visto segundo uma mente "reta", não somente dá vida, como a dá em abundância."


Referências:
  • Takuan Soho. The Unfettered Mind. Writings of the Zen Master to the Sword Master. Translated by William Scott Wilson. 
  • Takuan Soho. A Mente Liberta. Escritos de um Mestre Zen a um Mestre da Espada.

domingo, 17 de julho de 2011

Respiração, relaxamento, movimentação e postura

Os fundamentos que dão corpo ao Systema e que se extrapolam para a vida do praticante


Respiração, relaxamento, movimentação e postura são os quatro fundamentos do Systema: eles se complementam e devem ser simultâneos. Com estas quatro palavras, algumas coisas ficam subentendidas e são verdadeiras:

- não há alusão ao que culturalmente esperamos do combate: coragem, força muscular, persistência etc;
- os fundamentos remetem à expressão natural do corpo humano; e
- as orientações são pouco restritivas e podem valer para situações do dia a dia.

Apesar de aparentemente irrelevantes, estes quatro princípios explicam a eficiência do Systema pelos dois lados: aumento de resultados e diminuição dos esforços. Esta abordagem guarda fortes semelhanças com a filosofia taoísta exposta na obra Tao Te Ching de Lao Tsé. Tradicionalmente aprendemos o oposto: que para conquistar mais resultados é obrigatório se esforçar mais, e que o esforço por si só é meritoso - mesmo quando não acompanhado de resultados.

A vontade de resistir e impor uma derrota sobre o outro está atrelada a uma carga emocional de apego à vitória, e resulta que o adversário encontra um "espelho": alguém com quem consegue brigar e medir forças. Esta problemática é bastante citada pelo budismo. No Systema, boa parte dos movimentos se deve ao "deixar acontecer", aproveitando as próprias situações geradas pelo agressor e sabotando a sua 
vontade de brigar. 


(Clique na imagem para ampliá-la)

A atenção à respiração é um pré-requisito para superarmos o medo e o pânico. Sem a respiração, não conseguimos raciocinar nem relaxar, e o problema toma proporções maiores enquanto nos debatemos em desespero. Esta temática é muito explorada pelas escolas de yoga e, por incrível que pareça, tem relevantes aplicações marciais. Note também que a respiração e o relaxamento, para se tornarem constantes, estão atrelados a um condicionamento psicológico. Este estado mental é propício à liberdade, ao improviso e à criatividade, necessários para responder com desembaraço e rapidez às agressões reais, que sempre são distintas e não seguem roteiros.

O iniciante que começa a incorporar estes quatro fundamentos logo percebe que eles são surpreendentemente funcionais, de sorte que é difícil evitar que eles se extrapolem para a vida cotidiana do trabalho e da família. Nos treinos, o iniciante questiona a validez da força muscular e da rigidez para lidar com a violência, e acaba percebendo que o relaxamento, em contrapartida, é mais efetivo. Na vida, acabamos questionando diversos aspectos, como a efetividade das decisões unilaterais e a busca aflita de objetivos rígidos. Nos treinos, estamos sempre a observar e a aceitar situações novas, e é importante que esta flexibilidade passe a ser aplicada também aos problemas cotidianos. Esta atitude de relaxamento tem tudo a ver com expressões do tipo "dar uma volta para respirar um ar fresco", ou "fulano tem cabeça fresca": é exatamente este o espírito que buscamos desenvolver, sem abrir mão da responsabilidade e da segurança.

Nos treinos, as ações são estudadas e jamais executadas a esmo. Esta atitude crítica incita o praticante a analisar a sua conduta de vida e a questionar os seus porquês e os seus efeitos sobre terceiros. Não há como ter absoluta certeza de algo, mas sempre podemos aumentar a compreensão. Por consequência, a tendência é reavaliar as maneiras como atingimos nossos objetivos, bem como a validez destes objetivos, seja no aspecto pessoal, social, profissional ou afetivo.


Andamento da aula

O que podemos esperar e como colaborar


O treinamento começa com exercícios físicos funcionais. Por "funcional", entenda-se que estamos sempre explorando aspectos de interesse para o combate. Alguns exercícios são desconhecidos para a maioria dos iniciantes e exigem que estes aprendam a trabalhar melhor com alguma parte do corpo. Outros movimentos são mais familiares, mas costumamos executá-los com enfoques diferentes e pouco convencionais. Estudamos cada exercício sob o ponto de vista da respiração, do relaxamento e da eficiência, jamais fazendo por fazer.

Gradativamente, passamos a incorporar a realidade do confronto aos exercícios, não raro com mais de um oponente. Cada aula costuma ter um tópico central não exclusivo, por exemplo movimentação no solo, agarrões, movimentação suave, golpes contundentes, facas, bastões, entre outros. 

Não temos o costume de treinar uma mesma técnica de forma repetida e padronizada, mas sim de repetir cenários sem podar a imprevisibilidade das variações. Não existem dois casos iguais, portanto não nos preocupamos em memorizar respostas prontas. A ideia é que, se nos submetermos a uma enorme variedade de situações, teremos melhores chances de oferecer uma resposta suficientemente funcional e rápida a um ataque real, que nunca é premeditado. 


(Clique na imagem para ampliá-la)

Visto que no Systema a compreensão das ações é indispensável, os alunos devem cultivar:

1) atenção aos colegas de treino, respeitando as capacidades e os limites do parceiro e dificultando criteriosamente e somente à medida do possível. Por aumento de dificuldade, entenda-se o aumento da velocidade e da intensidade dos ataques. Ambas as partes devem treinar de forma consciente e proveitosa.

2) reciprocidade: para que o parceiro possa treinar e entender os movimentos, é preciso abrir mão do ego e estar sujeito a situações de desequilíbrio ou desconforto, que culturalmente e equivocadamente associamos à derrota e à fraqueza. Quando deixamos que as técnicas sejam aplicadas em nós, sentiremos menos dor quanto mais relaxados estivermos, e passaremos a escolher as técnicas com mais sabedoria, já que saberemos na pele os efeitos das nossas ações.

3) sinceridade: por mais devagar que estejamos atacando, devemos atacar com a distância e com o tônus muscular realistas. Sem isso, o parceiro de treino não sentirá o estímulo do ataque e a sua reação não fará sentido. Também não se deve ter pudor para comunicar uma dor excessiva ou a falta de preparo para lidar com algum tipo de agressão de forma segura (item 1).

Eficácia e improvisação

A filosofia do Systema para lidar com a imprevisibilidade das agressões reais 


No Systema, o praticante sempre tem a chance de estudar, avaliar e escolher as ações. Estudamos tanto os movimentos suaves quanto os contundentes, em velocidade devagar ou rápida. Estamos sempre atentos à funcionalidade e à eficiência das decisões em um cenário real, evitando desperdício de energia e aproveitando ao máximo cada movimento. O Systema nasceu de aplicações militares, daí a preocupação com a eficiência ou rendimento energético: atingir um certo resultado com um mínimo de esforço, ou atingir o máximo de resultados com um certo esforço.


eficácia
 (lat efficacia1 Qualidade daquilo que é eficaz. 2 Qualidade daquilo que produz o resultado esperado; eficiência.
eficiência
 (lat efficientia1 Ação, capacidade de produzir um efeito; eficácia. 2 Mec Rendimento.

Fonte: Dicionário Michaelis

Quase sempre podemos aproveitar algum movimento do agressor, adequando o nosso corpo ao corpo do adversário, o que se mostra muito eficiente. Outras vezes, uma iniciativa se faz necessária, como é o caso de ataques preventivos, escape de imobilizações e situações com reféns. Ao optarmos pela proatividade, devemos conhecer a mecânica do corpo humano e das armas sem as restrições das regras. Caso contrário, gastaremos tempo e energia com ações ineficazes, enquanto o agressor continua a nos atacar. 

A vasta maioria das artes marciais que conhecemos hoje enfocam o uso da força para impor resultados sobre o oponente, ou restringem fortemente a distância e as partes do corpo que podem ser usadas. Nos esportes esta abordagem costuma fazer sentido, visto que há objetivos claros a serem conquistados e regras claras a serem cumpridas. Em situações reais, porém, os objetivos não estão pré-definidos e as restrições são abstratas. Frente a uma ameaça real, podemos escolher um entre inúmeros objetivos (não reagir ou reagir, fugir, imobilizar, machucar etc) e observamos restrições das mais diversas (consequências jurídicas; condições de luminosidade, de temperatura e de terreno; características do agressor, como altura, peso e grau de sobriedade; disponibilidade de objetos - pedras, agasalhos, garrafas e qualquer arma em potencial).


Russian training system - Ability to fight


Ao treinar uma arte marcial, é de suma importância questionar os objetivos pessoais e avaliar para que tipo de situação estaremos bem treinados. É essencial ter a consciência de que a roteirização dos ataques, das técnicas de defesa e das condições do ambiente podem não simular bem as condições reais: o assaltante pode ter uma faca ou um revólver, pode estar acompanhado, pode atacar pelas costas e não ter receio em usar golpes "sujos" ou inesperados. Fora da academia as condições variam muito, e os locais públicos por vezes impõem o encurtamento indesejável da distância entre as pessoas.

[imagem - situações controladas vs não controladas]

Se vc tem experiência com alguma arte marcial, certamente já foi surpreendido com algo que saiu do roteiro e, por consequência, não soube como agir. Um ataque mal executado, um golpe sujo ou uma reação atípica do oponente são exemplos comuns. Por alguns instantes, o lutador vacila ou paralisa - não ocorrerá nenhuma fatalidade em um ambiente controlado, mas nas ruas esta pode ser a diferença entre a vida e a morte.   

Não temos o costume de treinar uma mesma técnica de forma repetida e padronizada, mas sim de repetir cenários sem podar a imprevisibilidade das variações. Em agressões reais, não existem duas situações idênticas nem dois agressores que (re)agem exatamente da mesma maneira, portanto não nos preocupamos em memorizar respostas prontas para cada caso específico. A ideia é que, se nos submetermos a uma enorme variedade de situações, teremos melhores chances de oferecer uma resposta suficientemente funcional e rápida a um ataque real, que nunca é premeditado. Por esta razão, no Systema se treina ataques de diferentes distâncias, em diferentes posições (em pé, sentado ou no solo), de diferentes tipos (agarrões, socos, chutes, chaves, etc) e sem restrição de alvos, podendo o agressor estar armado (facas, bastões, correntes etc) ou desarmado, acompanhado ou só.



sábado, 16 de julho de 2011

A importância do comportamento preventivo e o risco de (não) reagir

Antes de falar em reação, é de suma importância compreender que a grande maioria dos atos violência urbana pode ser evitada através do comportamento preventivo (leia e divulgue a cartilha de segurança pessoal da PM-SP). O criminoso não quer chamar atenção, por isso escolhe as vítimas mais fáceis: desatentas, mal posicionadas ou ostentando sinais de riqueza.

A instrução tradicional dos órgãos de segurança pública é não reagir. Sabendo que 80% das vítimas que reagem contra criminosos armados acabam baleadas, a não-reação é uma opção sensata quando o ladrão tem interesse unicamente em bens físicos (dinheiro, cartões de banco, relógios, automóveis etc), afinal a vida da vítima é o bem prioritário a ser protegido.

Entretanto, há casos em que o agressor força a vítima objetivando estupro, sequestro ou assassinato, não raro tentando levá-la de carro para outro lugar menos movimentado, onde não há ninguém que possa atrapalhar a ação do criminoso. O caso pode ser ainda mais complicado quando estão envolvidos amigos, crianças ou parentes na cena do crime. Nestes casos, a reação pode impedir a morte ou sequelas graves, e por isso pode se tornar uma atitude sensata caso a vítima esteja bem treinada em defesa pessoal. O risco de reagir sempre é alto, mas o risco de não reagir também pode ser alto quando intenção do agressor vai além de objetos físicos.

Convém lembrar que, no Brasil, as abordagens costumam ser executadas por mais de uma pessoa. A existência de um comparsa nem sempre é facilmente detectável; a vítima deve estar ciente disto ao optar pela reação.


Vídeo: Dicas preventivas contra a violência urbana
Entrevista com Fabio Gomes e Leo Imamura, mestres de Wing Chun





Referências:

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Bem-vindo!

Caro visitante,

este blog se destina à divulgação do Systema e à abordagem de assuntos relacionados: artes marciais, defesa pessoal, segurança e saúde.

Indivíduos interessados na funcionalidade das artes marciais, que se preocupam com a defesa pessoal em situações de violência urbana, são parte do público-alvo. Não há preocupação em memorizar técnicas de defesa contra ataques catalogados. Ao invés disso, permite-se que as agressões surjam espontaneamente de modo que o aluno seja um solucionador de conflitos, cabendo a ele a análise da situação e a escolha das providências necessárias. Esta filosofia racional aberta remonta ao século X, quando os guerreiros russos começaram a acumular técnicas marciais versáteispráticas instintivas, de assimilação rápida e adequadas à diversidade de terrenos, inimigos e condições ambientais. Atualmente, esta arte marcial integra o treinamento de unidades especiais das forças militares da Rússia.

Assim como um profissional eficiente precisa de competências que extrapolam o conhecimento técnico, o praticante de Systema só evolui se melhorar também nos aspectos psicológicoemocional e de autoconsciência, nos quais a respiração e o relaxamento são fundamentais. O pensamento é global, e por isso o praticante evolui como um ser humano.

O Brasil conta com dois instrutores certificados atuando em São Paulo, Santo André e Santos (Guilherme Stamato e Nelson Wagner). Se você já teve contato com o Systema, compartilhe as suas impressões com amigos e redes sociais - isto é realmente importante para a divulgação. Os comentários que você fizer neste blog também serão de grande valia; agradeço por eles desde já!

Bom proveito!